Durante décadas, a crença de que o leite é fundamental para a formação e manutenção de ossos saudáveis fez parte da rotina alimentar de muitas famílias brasileiras. Esse conceito se apoia na presença de cálcio no leite, nutriente essencial para a saúde óssea. Contudo, especialistas contemporâneos vêm questionando essa ideia, ampliando o debate sobre a real necessidade do consumo de leite para o fortalecimento dos ossos.
A discussão começou a ganhar força quando estudos publicamente divulgados nos últimos anos indicaram que fatores como genética, prática regular de atividades físicas e uma alimentação equilibrada desempenham papéis igualmente relevantes, ou até mais importantes, na saúde óssea. Diante dessas novas evidências, o papel do leite passou a ser visto sob uma perspectiva mais crítica, mudando uma tradição alimentar que foi incentivada por muito tempo. Entre esses estudos, um dos mais citados foi realizado pela Universidade de Harvard, que trouxe novos olhares sobre populações de diferentes regiões do mundo e seus índices de saúde óssea, incluindo países com clima e hábitos similares aos do Brasil.
Por que o cálcio é importante para os ossos?
O cálcio é reconhecido por ser essencial na formação e manutenção de ossos e dentes. Ele também participa em funções vitais como a regulação dos batimentos cardíacos e a contração muscular. O leite é frequentemente lembrado como excelente fonte de cálcio, mas o corpo humano só necessita de certa quantidade diária desse mineral, o que varia de acordo com a idade e outras características individuais.
As recomendações de ingestão diária de cálcio para adultos ficam entre 1.000 e 1.200 miligramas, segundo algumas diretrizes, embora existam divergências entre diferentes países. No contexto brasileiro, a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia também recomendam atenção a essas quantidades, sobretudo diante da diversidade alimentar e dos diferentes acessos nutricionais em nosso país. De modo geral, estudos apontam que após a infância, o aumento de cálcio na dieta pode elevar a densidade mineral óssea, mas essa elevação é discreta e não representa, por si só, garantia para a redução do risco de fraturas ósseas.

O leite é único para ossos fortes?
O consumo de leite sempre esteve associado à ideia de resistência óssea, porém pesquisas recentes demonstraram que beber leite não é o único, nem necessariamente o melhor, caminho para garantir boa estrutura óssea. Regiões do mundo onde a ingestão de leite é menor apresentam, em alguns casos, índices inferiores de fraturas do que países com maior consumo do produto. Um exemplo são os dados observados nos países do sudeste asiático, como Japão, em comparação com países ocidentais. No Brasil, onde há grande diversidade cultural, estados do Norte e Nordeste tradicionalmente consomem alimentos ricos em cálcio de outras fontes, como frutos do mar e determinados vegetais regionais.
Essa constatação leva à reflexão sobre outros contribuidores igualmente importantes para a saúde dos ossos. Exercícios de impacto, muito presentes nas brincadeiras ao ar livre típicas dos brasileiros, exposições adequadas à luz solar abundante do nosso clima tropical para síntese de vitamina D e uma alimentação variada são elementos que devem ser considerados junto à ingestão de cálcio. Vale destacar que, além do leite, outros lácteos como queijos (como a ricota e o queijo minas, muito consumidos no Brasil) e iogurtes também oferecem esse nutriente, além de proteínas e outros minerais fundamentais.
Quais alimentos fornecem cálcio além do leite?
Muitos questionam se é possível manter ossos saudáveis sem consumir leite. A resposta é positiva. Existem diversas alternativas para suprir a necessidade diária de cálcio:
- Produtos lácteos fermentados: Iogurtes e queijos oferecem cálcio de fácil absorção e tendem a ser mais bem tolerados por quem tem sensibilidade à lactose. No Brasil, variedades como coalhada e queijos regionais também são opções comuns.
- Vegetais de folhas verdes escuras: Espinafre, couve, taioba e ora-pro-nobis, plantas nativas e adaptadas ao solo brasileiro, são boas fontes vegetais de cálcio. Estudos recentes do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e pesquisas no Brasil apontam a eficácia desses vegetais quando consumidos regularmente, sobretudo em regiões de clima quente e produção agrícola diversificada.
- Peixes com ossos: Sardinha (muito consumida em diferentes regiões costeiras do Brasil) e salmão enlatados são ótimos para quem busca mais cálcio na dieta sem consumir leite.
- Leites vegetais enriquecidos: Bebidas feitas à base de soja (comum no cerrado e no Sul), amêndoas ou aveia, quando fortificadas, podem ser grandes aliadas, especialmente para intolerantes à lactose ou veganos.
- Tofu: Derivado da soja, o tofu elaborado com sulfato de cálcio agrega esse importante nutriente e vem crescendo no cardápio dos brasileiros.
- Castanhas: Castanha-do-pará e castanha-de-caju, além de serem importantes produtos nativos da flora brasileira, também fornecem cálcio e outros minerais benéficos para a saúde óssea.

Todos precisam do leite?
Nem todas as faixas etárias ou indivíduos precisam consumir leite. Crianças e adolescentes, especialmente entre nove e dezoito anos, necessitam de níveis mais elevados de cálcio para o desenvolvimento ósseo adequado. Da mesma forma, adultos a partir de cinquenta anos devem atentar para esse consumo devido à natural redução da densidade óssea com o envelhecimento. Há também grupos que enfrentam dificuldades para digerir a lactose presente no leite, condição que atinge parcela significativa da população adulta no mundo. No Brasil, estima-se que ao menos um terço dos adultos apresenta algum grau de intolerância à lactose, prevalência semelhante à de alguns países africanos e asiáticos.
Para esses casos, produtos fermentados têm melhor tolerância e outras opções alimentares (como queijos regionais mais duros, vegetais e pescado) podem ser incluídas sem prejuízo à saúde óssea. Além disso, boas práticas como exercícios regulares ao ar livre e exposição ao sol tropical auxiliam na conversão de vitamina D, que, por sua vez, potencializa a absorção de cálcio. Em alguns cenários clínicos, como alergia à proteína do leite, a exclusão total do leite pode ser necessária, sempre com orientação de um profissional de saúde.
Como montar uma dieta boa para saúde óssea?
Garantir ossos saudáveis vai além do simples consumo de leite. Uma abordagem abrangente deve incluir:
- Consumo adequado de cálcio por meio de múltiplas fontes alimentares.
- Atividades físicas regulares, principalmente exercícios de impacto e fortalecimento. Caminhadas, esportes coletivos e danças típicas brasileiras são exemplos práticos e acessíveis.
- Exposição moderada ao sol para a produção de vitamina D, utilizando a luminosidade abundante em quase todo o território nacional, especialmente nos melhores horários (antes das 10h e após as 16h).
- Atenção ao aporte de outros nutrientes, como fósforo, magnésio e proteínas, encontrados em alimentos tradicionais brasileiros como feijão, peixes, castanhas e sementes.
Esses fatores, juntos, promovem não apenas a saúde óssea, mas também um bom funcionamento do organismo como um todo ao longo da vida.
No cenário atual da nutrição, as recomendações estão cada vez mais personalizadas. A escolha de consumir leite, outros derivados ou alternativas vegetais deve considerar tanto as necessidades nutricionais quanto as características individuais de cada pessoa, levando em conta as tradições alimentares, a oferta local de alimentos e as particularidades do clima e flora brasileira. Novas diretrizes divulgadas em 2023 pela Organização Mundial da Saúde reforçam a importância dessa personalização para melhores resultados em saúde óssea.
